“Saneamento básico é um dever do Estado e direito inalienável da população”, diz Conselheiro de “Ondas”, Abelardo de Oliveira Filho.
Por pouco Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Prado, só para citar como exemplos, não tiveram suas redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário privatizados, pois esse era o desejo de seus gestores municipais.
Em Porto Seguro, a privatização não virou realidade, graças à defesa jurídica da Empresa Baiana de Águas e Saneamento do Estado da Bahia – Embasa, que conseguiu suspender o processo de licitação com um mandado de segurança; além dos esforços do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente – Sindae – que trabalhou arduamente, na participação nas audiências públicas, distribuindo panfletos, envolvendo as mídias locais, na mobilização social por aqui e por várias cidades baianas.
Para quem defende a venda do patrimônio público, no sentido da universalização do sistema, recomenda-se a leitura desse estudo do ex-presidente da Embasa e atual Conselheiro de Orientação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento – Ondas, Abelardo de Oliveira Filho.
Realizado nas quatro maiores empresas de capital aberto do setor, o resultado para Abelardo, foi que elas foram muito mais generosas com os acionistas e péssimas para população, principalmente, aquela que não tem acesso aos serviços de saneamento básico. Leia na íntegra:
Análise dos efeitos da Abertura de Capital das empresas operadoras dos serviços de água e esgoto no País
Por Abelardo de Oliveira Filho
A questão da abertura de Capital, o famoso IPO, sigla em inglês, que significa Oferta Inicial de Ações está na ordem do dia para as empresas de saneamento básico, inclusive da própria Embasa, por conta da decisão do Governo da Bahia em fazer a abertura do capital da empresa.
No sentido de contribuir mais uma vez com a essa discussão apresentamos o Resumo do estudo “Padrão de investimento e a estratégia financeira das grandes empresas regionais do setor de Água e Esgoto (A&E) no Brasil” elaborado pelos economistas e pesquisadores da Unicamp, Fernando Sarti e Fernanda Ultremare.
RESUMO
O estudo avalia os efeitos da abertura de capital de empresas estatais sobre os investimentos no setor e analisa e reflete se a lógica de mercado vivenciada pelas empresas de capital aberto, orientada pela rentabilidade e destinação de parcela significativa de lucros para remuneração de acionistas está de acordo com o argumento de alguns governantes de que com a abertura de capital vai possibilitar um maior volume de recursos para investimentos no setor visando a universalização dos serviços de água e esgoto.
Esse estudo está na ordem do dia tendo em vista a aprovação e sanção da Lei 14.026, de 15 de julho de 2020, oriunda do PL 4.162, de 2019, que altera profundamente as Leis 11.445, de 2007 (Lei Nacional de Saneamento Básico) e 11.107, de 2005 (Lei de Consórcios Públicos, Convênios de cooperação e gestão associada de serviços públicos) que institucionalizou o monopólio privado no setor de abastecimento de água e esgotamento sanitário com o objetivo de facilitar e ampliar a participação privada no setor. Na realidade, a lei aprovada significa um grande retrocesso para o setor de saneamento básico no País.
Além disso, existe um grande interesse de alguns governantes em promover a venda de ações em poder dos Estados para a abertura de capital das empresas de saneamento básico sob o argumento de obter maior volume de recursos que seriam dirigidos para investimentos em saneamento básico. Entretanto, a conclusão dos autores deste estudo, por si só, aponta no sentido contrário.
Ao analisar o desempenho das quatro empresas públicas de capital aberto com participação acionária majoritária dos respectivos estados e com ações negociadas na Bovespa – Sabesp (SP), Copasa (MG), Sanepar (PR) e Casan (SC) foi possível comparar se a estratégia de abertura para o modelo privado de distribuição de lucros afeta os resultados no saneamento. Essas empresas foram responsáveis por 35% das receitas operacionais e 52% dos investimentos em 2015, ano em que a Sabesp teve lucro de 20,7% da receita líquida, a Sanepar 17,8%, a Copasa 10,8% e a Casan 3%.
O Estudo demonstra que as grandes empresas de capital aberto do setor de Água e Esgoto (SABESP, COPASA, SANEPAR e CASAN) optaram por uma estratégia conservadora de manter reduzido o seu nível de endividamento e de financiar os investimentos preponderantemente com recursos próprios. Isso propiciou o baixo grau de endividamento e a elevada capacidade de geração de caixa. Isso foi possível por meio da elevada rentabilidade das empresas do setor, sobretudo quando comparadas à rentabilidade de grandes empresas de outros setores da economia. Mais do que isso, uma parcela significativa dos lucros auferidos foram distribuídos na forma de dividendos aos acionistas, ao invés de serem reinvestidos na atividade.
Além disso, as empresas, que por lei devem distribuir no mínimo 25% do lucro líquido aos acionistas, distribuíram dividendos muito acima disso em média de 2011 a 2016: Sabesp 32,1%, Sanepar 49,9%, Copasa 34%. Suas ações na bolsa de valores decolaram em detrimento da destinação de recursos próprios para o financiamento de investimentos.
O setor do saneamento é capaz, então, de gerar um maior valor adicionado líquido, com agregação de valor ao seu produto e às empresas, obtenção de uma maior rentabilidade que demais setores e melhor remuneração aos seus acionistas. Isso ocorre porque apresenta: (i) menor fator de endividamento e por isso, paga menos juros sobre o capital; (ii) menor participação de impostos porque distribui dividendos na forma de juros sobre o capital próprio, o que reduz o lucro tributável e; (iii) maior remuneração sobre o capital próprio, acima da média dos demais setores. O estudo conclui que “a análise dos indicadores econômicos e financeiros de um grupo selecionado de empresas regionais apontou que os insuficientes investimentos não podem ser atribuídos à [baixa] rentabilidade da atividade”, dado que o setor agrega mais valor no Brasil que na média dos 43 países analisados.
A estratégia conservadora de reduzido nível de endividamento, financiamento do investimento com recursos das tarifas, elevada rentabilidade e distribuição de lucros acima do mínimo, fortaleceu a visão financeira e mercantil da atividade de saneamento tratada como um negócio rentável, demonstrando viabilidade e atraindo novos investidores privados ávidos por lucros e, no limite, promovendo o processo de privatização das empresas regionais, apesar da participação majoritária dos estados no capital acionário.
Segundo ainda o estudo, essa visão financeira e mercantilista das grandes empresas regionais contrapõe-se a uma visão social e estratégica de considerar o setor de saneamento básico como um provedor de um serviço público essencial e que se constitui em um dever do Estado e direito inalienável da população. Além do mais, a adoção da visão financeira e mercantilista não parece contribuir para a ampliação substancial dos investimentos com o objetivo de avançar no processo de universalização. Certamente, a geração de um novo ciclo expansivo de investimentos, financiado com maior endividamento e menores distribuições de lucros e dividendos, que permita acelerar a redução do déficit de acesso aos serviços de saneamento básico, terá que passar por uma mudança de estratégia das grandes empresas públicas regionais do setor de água e esgoto analisadas.
Por tudo isso, pode-se concluir que as empresas que tiveram a abertura de capital foram muito generosas com os seus acionistas, muito pouco generosas com os investimentos necessários a universalização e nada generosa para a universalização. Em suma: a abertura de capital dessas empresas foi excelente para os acionistas e péssima para a população, principalmente aquela que ainda não tem acesso aos serviços de saneamento básico.
Finalmente, em contraposição ao discurso hegemônico que defende a venda do patrimônio público para atingir a universalização, recomenda-se a apropriação dos resultados desse estudo, visto que existem argumentos consistentes na defesa do saneamento como serviço essencial e um direito universal que deve sobrepor-se à visão financeira e mercantilista.
Fonte: Abelardo de Oliveira Filho
Conselheiro do Conselho de Administração da Embasa, eleito pelos empregados e empregadas