O homicídio do jovem Victor Cerqueira, ou Vitinho como era conhecido, após uma ação lastimosa das polícias militar, civil e federal, em Caraíva, distrito de Porto Seguro, escancara o racismo estrutural de uma sociedade que coloca revólver, chumbo e poder nas mãos de agentes, por vezes sem preparação adequada, fardadas, que os tornam tão perigosos quanto os que supostamente foram por lá prender. Uma operação que poderia ser coroada de sucesso, envolvendo três forças de segurança, acaba sendo ofuscada e contestada pela sociedade pela morte, até o momento sem explicações, de um distinto trabalhador, respeitado e querido pela comunidade.
Seria uma ação desastrosa se uma pessoa inocente fosse morta por uma bala perdida ou coisa do tipo, num provável confronto com traficantes. Só por isso, já não valeria a pena tal ação, mas não foi isso que aconteceu. Vitinho, pelo que tudo indica, foi torturado e morto num processo de pura crueldade, resultado da discriminação e do preconceito à população negra. Da colonização, dos navios negreiros, da escravidão, do racismo, nada parece ter mudado nesse país, como se uma vida negra fosse pior que nada nas mãos desses agentes.
Vitinho era um jovem alegre, divertido, carregava consigo uma alma leve. Um jovem trabalhador que não fazia mal a ninguém. Não sou eu que estou dizendo isso, porque eu, na verdade, só o vi de vista na vida, embora temos alguns amigos em comum, ainda do tempo que morava na região. Quem está dizendo isso sobre ele, é a comunidade que se encontra indignada com seu fim cruel e desumano, algo que Vitinho ou qualquer pessoa negra, não deveria passar jamais.
A sua mãe (meu Deus!) recebeu o filho morto bem no Dia das Mães, uma perversa ironia que corrobora nossa história repleta de preconceito e de sangue negro nas ruas.
A comunidade de Caraíva vem mostrando que está unida, realizando várias manifestações, como a última no dia da missa de sétimo dia dele. Já passaram de 30 mil assinaturas no abaixo-assinado que busca justiça por sua morte.
A ação da polícia visava prender Alongado, um chefe do tráfico de lá, e existia um tal Vitinho que era seu segurança, mas não o Vitinho Cerqueira de alma leve e de bom coração.
Durante a ação, Vitinho estava trabalhando, na qualidade de guia, com o grupo de turistas. Ele foi algemado e levado pelos policiais, supostamente confundido com o outro Vitinho, assim como testemunhas e seus familiares acreditam. Ele foi torturado e assassinado com um tiro, assim como atestado de óbito descreve: “politraumatismo toráxico, choque hemorrágico e projétil de arma de fogo”. E as polícias não responderam sobre isso, como até agora não responderam se ele foi confundido com o outro Vitinho. As câmeras da travessia do Rio Caraíva foram desligadas antes da operação e os policiais teriam passado por estabelecimentos pelo distrito, recolhendo as gravações de suas câmeras, como está no G1 e em diversos sites, como forma de ocultação de provas.
E a verdade vem aparecendo minuto a minuto, pois três dias antes de seu assassinato, Vitinho foi à delegacia registrar Boletim de Ocorrência, pois sua foto estava sendo veiculada em grupo de Whatsapp de empresários, donos de pousadas bacanas, o acusando de ladrão. Racismo e difamação de seu nome, foi isso que ele foi defender: sua honra. E quem tem honra defende, meu irmão!
A bola de neve do racismo cresce a cada volta até o seu assassinato; um novelo que quando você vai desatando se chega naquele primeiro nó. Do preconceito ao extermínio é só algumas voltas de neve ou de linha.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia precisa realizar uma apuração rigorosa e punir todos os responsáveis envolvidos nessa ação urgentemente e dar uma resposta efetiva para sociedade.
Vitinho, como delegado Bruno Barreto, responsável pelo distrito de Caraíva, mesmo afirmou, não tinha passagem pela polícia. O que ele tinha mesmo, como todos da comunidade sabem, eram sonhos e um futuro todo pela frente, que foi lhe arrancado de forma tão brutal e covarde, fruto do racismo, profundamente entranhado na sociedade e nas forças de segurança, que nessa junção perigosa de preconceito e violência policial, sempre resulta em gente negra no caixão. E nós, enquanto sociedade, não podemos deixar o assassinato de Vitinho passar batido.
**Texto do jornalista e colaborador Cristóvão Moura
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