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Bebês reborn viram febre nas redes sociais em meio à polêmica e criação de projetos de lei

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Nas últimas semanas, as bonecas reborn — brinquedos realistas que imitam bebês — tomaram conta das redes sociais, com vídeos de mulheres carregando, “dando à luz” e até levando ao hospital os objetos. O assunto gerou fascínio e também polêmica, com números projetos de leis federais e municipais criados para multar, por exemplo, quem levar o boneco em unidades de saúde.

Mas a chamada arte reborn não é de agora. A prática de criar bonecas realistas surgiu nos anos 1990, nos Estados Unidos, quando artesãs começaram a transformar brinquedos comuns usando técnicas de pintura, enraizamento de cabelo e ajustes de peso e textura. O objetivo era criar réplicas perfeitas de bebês humanos, tanto para colecionadores quanto para fins terapêuticos.

Com o tempo, a prática se profissionalizou. Foram criadas comunidades de entusiastas na internet, com direito a encontros de colecionadoras e das chamadas cegonhas — as artesãs que produzem as bonecas. Cada reborn pode custar de R$ 1 mil até R$ 10 mil, dependendo do nível de detalhamento.

Trabalhando com bebês reborn desde 2021, Victoria Rodrigues conta que atende principalmente mulheres entre 25 e 45 anos, colecionadoras ou que querem presentear outra pessoa com o brinquedo, geralmente crianças ou pessoas idosas.

— Eu tenho um cliente, por exemplo, que comprou a bebê para dar para a avó dela, que tem 94 anos. Ela já é uma senhora com problemas de Alzheimer, já tem um pouco de demência, e usa a boneca de forma terapêutica, para ser como um acalanto. Ela relembra dos filhos que já criou, cuida do bebezinho como se fosse de verdade — diz a artesã da Grande Florianópolis.

Sucesso e controvérsia

Recentemente, um desses encontros, no parque Ibirapuera, em São Paulo, acabou sendo o ponta-pé para a febre dos bebês reborn. O jornalista Chico Barney foi até o local e produziu um vídeo com mulheres demonstrando extrema preocupação e cuidado com as bonecas, como se elas fossem reais.

Na mesma época, o Padre Fábio de Melo “adotou” um reborn com Síndrome de Down durante uma visita à Maternidade de Bonecas da MacroBaby, em Orlando, na Flórida. O tema gerou fascínio, pelo nível de detalhes do brinquedo, mas também críticas de que a prática seria uma “maluquice” e que muitas pessoas dão às bonecas tratamentos como se elas fossem reais.

Com isso, começaram a vir à tona vídeos com encenações em que donas de reborns simulam a rotina de mães reais. Apareceram os partos, as maternidades e os modelos de boneca reborn com batimentos cardíacos.

Segundo a artesã Victoria Rodrigues, essas atitudes não passam de estratégias para divulgar a prática reborn:

— Tem muita criança que me descobre, ou descobre outras artistas, ou colecionadoras, porque ficam assistindo vídeos no YouTube, TikTok, Instagram, e ficam encantadas. E aí os vídeos contam aquela historinha: “hoje vamos colocar o nenenzinho pra dormir, vou trocar a roupinha, etc”. Essas artistas normalmente fazem isso justamente pra monetizar seus canais nessas plataformas.

A artesã defende que as adeptas da prática reborn não são “malucas”, como sugerem alguns comentários nas redes sociais. Para ela, trata-se de um role play, ou seja, uma encenação controlada.

— Algumas mulheres adultas fazem coleção, montam um quarto, colocam na prateleira, tudo bonitinho. É igual um quarto de gamer, cheio de videogames, de coisas que o homem gosta. A arte reborn seria o contrário, com coisas que a mulher gosta — diz.

Questão de saúde?

De acordo com a psiquiatra Júlia Trindade, colecionar bebês reborns não representa um transtorno na maioria dos casos. O problema surge quando a pessoa perde a noção da realidade.

— Em alguns casos, a gente pode ter um quadro psicótico, em que a pessoa acredita que aquele bebê é uma criança e trata como tal. Isso tem um adoecimento, porque a pessoa tem prejuízo na vida, provavelmente vai deixar de fazer coisas da vida dela, como não trabalhar, não se relacionar com outras pessoas, porque tá preocupado o tempo inteiro com aquele boneco. A gente tem quadros que pode acontecer, mas isso é raro — alerta.

Para Ligia Moreiras, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e criadora do projeto Cientista Que Virou Mãe, a prática reborn é atravessada por significados sociais. Evidencia, por exemplo, as diferenças sexistas que marcam brincadeiras de homens e mulheres desde a infância.

— Brincadeiras “de meninos, de homens” são sempre relacionadas a elementos que lhes confere status, poder, comparação, disputa ou agressividade: carro, avião, arminha, espada, etc. Já as “de meninas, de mulheres” parecem sempre associadas ao trabalho do cuidado: cuidar de bebês, limpar a casa, ensinar, etc. Esse sexismo é um problema — pontua.

Segundo a pesquisadora, há uma pressão social sobre as mulheres para serem mães, algo não exigido dos homens:

— A vida das mães reais é bastante desafiadora e permeada de injustiças, desigualdades e exclusões. Quando uma mulher performa ser mãe de um boneco, há uma estereotipação da maternidade que não faz bem a ninguém, mas especialmente às mães reais, que são tratadas como uma “brincadeira”.

Bebês reborns se tornam projetos de lei

Por outro lado, começaram a surgir notícias de pessoas levando o brinquedo em hospitais — em Itajaí, por exemplo, uma mulher procurou um posto de saúde para simular a aplicação de vacina na boneca da filha dela, de 4 anos, a pedido da criança. A intenção era postar nas redes sociais.

Por conta disso, um projeto de lei protocolado na Câmara de Vereadores de Itajaí quer proibir o atendimento médico para bebês reborn nas unidades públicas municipais de saúde. A proposta é do vereador Beto Cunha (Republicanos), que afirma que o objetivo é “evitar a confusão e o desperdício de recursos públicos e médicos […] além de prevenir possíveis riscos à saúde pública”.

Em Palhoça, o vice-prefeito em exercício, Rosiney Horácio, enviou ao legislativo um projeto de lei para proibir o uso de bonecos reborn em atendimentos nas unidades de saúde. Ele também publicou um vídeo em que aparece jogando uma boneca longe.

Em Chapecó, o prefeito João Rodrigues publicou um vídeo nas redes sociais classificando as atitudes de levar bebê reborn ao médico como “loucura”. Ele disse também que ordenou a internação involuntária de pessoas que levarem o objeto às unidades de saúde. Ele garantiu, contudo, que Chapecó não terá projetos de leis desta natureza.

— Se alguém inventar de entrar numa unidade de saúde e pegar uma ficha e levar bebê reborn para consultar, a ordem está dada: pode pegar o proprietário desse bonequinho e nós vamos internar involuntariamente. Porque a pessoa não pode estar bem — disse, em vídeo postado no Instagram.

Um projeto de lei também foi apresentado na Câmara de Vereadores de Florianópolis pelo vereador Claudinei Marques (Republicanos), na segunda-feira (19). Ela visa “assegurar a clareza e eficácia dos serviços de saúde pública, evitando possíveis equívocos que poderiam comprometer o atendimento prioritário a pacientes humanos”.

Na capital, não há nenhum caso de pessoas buscando atendimento para bebês reborn em unidades de saúde municipais, conforme a prefeitura. Nos hospitais estaduais, também não há registros de atendimentos a bonecos.

A tendência ocorre em todo o país. Projetoscontra bebês reborn foram apresentados no Congresso e há propostas tramitando nas Assembleias Legislativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba, Espírito Santo e Alagoas. Na contramão, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou a criação do “Dia da Cegonha Reborn” no calendário oficial da cidade.

A artesã Victoria Rodrigues diz que nunca conheceu pessoas que levam os bonecos ao hospital:

— Podem ter pessoas que têm algum tipo de transtorno, alguma demência. Mas das minhas clientes, a maioria usa para colecionar, brincar e não tratar como um ser real. Se tem esse tipo de caso, eu particularmente, nos anos que eu estou com a arte reborn, nunca vi.

Para a especialista Ligia Moreira, as críticas às colecionadoras beiram o ataque e a ridicularização. Ela pontua que há um viés machista nesse tratamento.

— Muitos homens destinam muitas horas a hobbies que, para muitos, também são despropositais e nem por isso são julgados da maneira cruel com que essas mulheres têm sido julgadas. Talvez tenha havido uma amplificação do assunto, que nem é tão frequente assim, justamente porque se trata de mulheres, para quem já há um olhar menos acolhedor e gentil — pontua.

Fonte: nsc Total

 

 

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