Romualdo Rosário da Costa falava pouco. Entre os amigos, há quem diga que, para que ele abrisse a boca, era um trabalho imenso. Mas quando se transformou no artista e mestre de capoeira Moa de Katendê, no fim da década de 1970, Romualdo falou muito. Através de suas muitas artes – a música, a dança, a capoeira –, Moa disse muito à Bahia e ao mundo.
Aliás, ‘se transformou’, não. É difícil encontrar um relato de alguém que diga como Moa despertou para a arte; os amigos contam que ela sempre esteve com ele. Na madrugada desta segunda-feira (8), aos 63 anos, o homem que falava tão pouco deixou mais uma mensagem – à Bahia, ao Brasil, ao mundo. Moa de Katendê foi assassinado brutalmente após uma discussão política.
A notícia de sua morte veio logo nas primeiras horas da manhã de segunda 08/10. Abalou parentes, amigos, artistas, capoeiristas, pessoas ligadas ao circuito cultural em Salvador. O artista, autor da canção Badauê, eternizada pelo Ilê Ayê, foi morto com 12 facadas, quando bebia com um irmão e um primo, no Bar do João, em frente ao Dique do Tororó, no Engenho Velho de Brotas,na capital baiana, pouco depois da meia-noite da segunda.
De acordo com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o autor do crime foi o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36, que, segundo testemunhas, chegou ao bar defendendo ideias de Jair Bolsonaro (PSL), candidato à Presidência da República.
Ele ouviu críticas de Moa e, depois que a discussão acabou, foi até em casa, buscou uma faca e voltou para atacar o artista. O crime aconteceu apenas algumas horas após a confirmação de que Bolsonaro e Fernando Haddad (PT) se enfrentariam no segundo turno das eleições presidenciais no país.
Sobre a morte de Moa, para a polícia, Paulo Sérgio disse que, antes de cometer o crime, começou a beber os primeiros copos de cerveja durante a tarde, por volta das 15h, quando o cenário político do segundo turno ainda estava sendo decidido nas urnas.
A bebedeira foi até a noite, quando resolveu ir ao Bar do João, estabelecimento que fica nas proximidades do Dique do Tororó. Lá, em um determinado momento, já por volta da meia-noite, o barbeiro resolveu pôr em discussão com o dono do estabelecimento as propostas do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, segundo testemunhas que estavam no local.
De acordo com a Policia Civil, o barbeiro argumentava com o dono do estabelecimento que era preciso haver mudanças no Brasil, quando o capoeirista interrompeu a conversa se mostrando contrário as suas ideais.
Paulo Sérgio chegou por volta das 11h30 de segunda-feira (8) na sede do DHPP, no bairro da Pituba, ao lado de dois policiais. Ao avistar a presença da imprensa, cabisbaixo, tentou esconder o rosto utilizando uma das mãos ferida por uma faca tipo peixeira usada para cortar carne em sua casa.
A mesma arma branca foi usada para desferir 12 golpes no Mestre Moa, com quem teve uma discussão acalorada por divergências políticas nas primeiras horas da madrugada, em um bar, na localidade Dique Pequeno, no bairro de Engenho Velho de Brotas.
Durante a sua apresentação à imprensa, o barbeiro negou as acusações. Disse não se lembrar de quantos golpes desferiu contra a vítima que, de acordo com a família, era eleitor e simpatizante do Partido dos Trabalhadores (PT).
Negou também que a motivação do crime tenha sido por política – entrando em contradição já que, durante interrogação policial, minutos antes de ser apresentado a jornalistas, ele confessou o verdadeiro motivo do homicídio à delegada.
“Eu estava conversando com o dono do bar sobre futebol quando esse senhor aí, o que veio a óbito, levantou e me chamou de negro e ‘viado’. O dono do bar viu e separou. Ele (dono do bar) viu tudo, outros (clientes) também. Já pedi desculpas à família e peço mais uma vez, momento nenhum foi a minha intenção (de matar). Me entreguei”, conta.
Após esfaquear a vítima até morte, o barbeiro, durante a confusão, acabou esfaqueando também o primo do capoeirista. Germínio do Amor Divino Pereira, 51, foi atingido com um golpe de faca no braço direito. Ele foi socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde passou por uma cirurgia. Ele não corre risco de morte, continua em observação e, segundo a família, sem previsão de ser ouvido pela polícia.
Logo depois de matar o capoeirista, o barbeiro fugiu do local em direção à sua residência. Alguns moradores seguiram atrás dele, mas a polícia, minutos depois, conseguiu arrombar a sua casa, o prendendo dentro do banheiro. A arma utilizada no crime, no entanto, não foi localizada até a tarde desta segunda. “Quando chegou em casa ele contou para a companheira o que tinha feito, a socilitando trancar toda a casa”, acrescenta Milena.
A polícia encaminhou o acusado para o HGE para cuidar de um corte na mão esquerda feito durante o momento em que utilizava a amar para matar a vítima. Na unidade de saúde, Paulo Sérgio disse ter tido a oportunidade de encontrar com os familiares das vítimas, a quem pediu desculpas pelos crimes.
Crime
A delegada aponta o crime como sendo uma tentativa de homicídio (contra o primo) e um homicídio qualificado quando a vítima não tem chances de defesa, quando há requinte de crueldade ou por motivo fútil.
“Podemos classificar como (homicídio) qualificado, porque ele não deu chances de a vítima se defender. Eu entendo que, neste caso, foi por um motivo fútil, que já é uma qualificadora. A segunda (qualificadora) foi uma espécie de ‘traição’, dificultando a defesa. Sendo assim, duplamente qualificado”, explica.