Deputados e senadores decidiram turbinar os repasses feitos via emendas a estados e municípios usando as chamadas “emendas Pix”, modalidade de transferência direta de recursos, com pouca transparência, numa lógica semelhante à do orçamento secreto, mecanismo implementado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Levantamento feito pelo GLOBO com dados do sistema do Orçamento do Senado mostra que, em 2023, o governo federal empenhou (autorizou para uso) R$ 6,37 bilhões em repasses indicados por parlamentares com a rubrica — o equivalente a 44% do total destinado a emendas individuais no ano. A distribuição é oito vezes maior do que a de 2020, quando a modalidade começou a valer. Até julho daquele ano, haviam sido reservados R$ 771,2 milhões, correspondente a 10,6% das individuais aprovadas no período.
As “emendas Pix”, uma forma de transferência de emendas individuais, foram criadas em 2019 para acelerar o repasse a estados e municípios. Diferentemente das demais modalidades, o dinheiro é repassado diretamente dos cofres da União, sem a necessidade de um projeto específico. Por lei, devem apenas respeitar a destinação de ao menos 70% para investimentos, excluindo despesa com pessoal e pagamento de dívida.
Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, a falta de vinculação a um projeto dificulta a fiscalização e o controle de como os valores estão sendo aplicados. No começo de julho, o governo liberou R$ 5,2 bilhões do previsto pela modalidade para acelerar a votação de projetos como o Reforma Tributária.
— As operações especiais (como as “emendas Pix”) nasceram para fazer ajustes residuais — explica Emerson Cervi, professor de Ciência Política da UFPR. — Representa a materialização do encurtamento do caminho do Parlamento aos redutos eleitorais e é uma alternativa para atender às demandas dos parlamentares com o fim do orçamento secreto.
Falta de transparência
Desde 2020, cresceu o interesse de parlamentares nas “emendas Pix”, e há casos em que a destinação atendeu municípios em que exercem influência direta. Aparecem na lista parlamentares como o ex-deputado federal Édio Lopes (PL-RR), que engordou os cofres da prefeitura de Mucajaí, comandada pela esposa, Eronildes Gonçalves (PL).
Há ainda aliados do governo Lula, como o senador Davi Alcolumbre (União-AP), que enviou R$ 29,5 milhões ao governo do Amapá nesta modalidade. Alcolumbre apoiou a eleição do atual governador, Clécio Luís (Solidariedade), também aliado do líder do governo Lula no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) – que destinou à gestão estadual R$ 27,2 milhões nesta modalidade.
Especialistas apontam que a falta de transparência pode levar à perda de controle sobre como os recursos estão sendo aplicados por prefeituras e governos estaduais. Nessa linha, afirmam que dá margem para irregularidades em licitações e esquemas de corrupção. Marina Atoji, conselheira da Transparência Brasil, ressalta ainda que há falta de estrutura e politização de órgãos fiscalizadores que poderiam coibir uso indevido do dinheiro, como os tribunais de contas:
— Em muitos casos, governadores e prefeitos nomeiam aliados para conselheiros de tribunais de contas estaduais e municipais.