Salvador completa 476 anos neste sábado (29/03). A primeira capital do Brasil nasceu à beira da Baía de Todos os Santos em 1549, fundada por Tomé de Sousa, que era governador-geral na época. Ao longo dos anos, a cidade teve um papel importante na história do Brasil, sediando eventos que marcaram sua origem e a identidade de seu povo.
“É importante destacar que depois de um longo processo de sondagem e exploração da terra, que chamamos de pré-colonial de 1530, a colonização se efetivou e, em 1549, Tomé de Souza, o primeiro governador geral, fundou Salvador, que se tornou sede do governo geral por sua localização estratégica para exportação do pau Brasil e outras atividades econômicas”, detalhou ao BNews o professor de História, formado pela Universidade Federal da Bahia e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Iure Barros.
“A sua construção se deu com a participação de diversos povos, europeus, africanos e indígenas que. A relação, embora inicialmente pacífica, foi se tornando conflituosa e se estabelecendo em uma rede de segregação entre as diferentes culturas”, continua o professor sobre a composição da cidade.
Ao longo de quase cinco séculos, a capital baiana se consolidou como detentor de um dos centros históricos e culturais mais importantes do Brasil. Desde sua fundação, a metrópole foi palco de disputas políticas, movimentos de resistência e expressões culturais.
“Quando falamos sobre marcos históricos de Salvador, tentar eleger alguns é uma tarefa complexa, pois se trata de uma cidade histórica e com complexidade cultural”, refletiu o professor. “A primeira capital do Brasil é moldada por intensas resistências contra o autoritarismo português e a escravidão, como aconteceu na Revolta dos Males em 1835. As batalhas de Pirajá, em 1823, também foram decisivas para a Independência da Bahia”, descreveu Barros.
Identidade cultural
Questionada sobre quantos anos mora em Salvador, a soteropolitana Luzimeia Guimarães logo responde indagando: “Eu moro em Salvador há quantos anos? Ave Maria, Deus me livre de não ser baiana. São 62 anos e alguns dias. Sou baianíssima, de Salvador, entendeu? Como é que eu saio daqui? Eu não quero ir para outro lugar não”, contou, aos risos.
Dentre suas principais lembranças, Luzimeia, que hoje reside no bairro de Águas Claras, recorda -se de passar a década de 1980 no Centro Histórico da cidade. “Desde os anos 80, quando eu era muito menina, já andava e admirava o Pelourinho. É um lugar em que eu me sinto pertencente, sabe? A igreja que eu frequento é a Rosário dos Pretos, faço pipocas da caminhada de Azoany há 16 anos, vou para a São Lázaro. E a cidade tem toda a cultura, toda a espiritualidade, com o povo de mãos dadas”, lembra, orgulhosa.
Paulista, Tatiana Loureiro, mora em Salvador há 24 anos. Ela contou ao BNews que depois que veio e conheceu a cidade, apaixonou – se pela cultura local. “Vim pra Salvador com 9 anos de idade e fui conquistada dia após dia pela energia surreal que essa cidade emana. É uma cidade com inúmeros defeitos, como qualquer outra, mas ter o privilégio de sair do trabalho e ver um pôr do sol no Porto da Barra, pegar um barquinho em um sábado qualquer e almoçar uma moqueca deliciosa com bastante dendê, combinada com aquela vista da Gamboa, são coisas que só Salvador te proporciona. Hoje, após 24 anos, com mais tempo de vida em Salvador que fora daqui, sinto que posso dizer que o dendê já corre na veia”, descreveu ela.
No entanto, como se pode perceber, nem só de cartões postais e de turismo sobrevive a cidade. A expansão urbana e o crescimento acelerado trouxeram desafios e contrastes para o território. “Estamos em uma cidade histórica, que avança em construções e turismo, mas que carece de uma valorização regional sobre essa história. A cidade é apreciada pelos turistas, seja nos patrimônios culturais, museus, praias, mas precisamos investir na população local para explorar e valorizar estes espaços históricos, que são para todos nós”, informou o historiador.
Salvador para além dos estereótipos
A capital baiana vai muito além dos estereótipos frequentemente associados a suas festas, praias e músicas populares. A diversidade das periferias da cidade, como Cajazeiras, o Subúrbio, Castelo Branco, Brotas, São Marcos, Valéria, Fazenda Coutos, Calabetão, entre outras, com suas realidades de resistência e luta, revela uma Salvador muitas vezes invisível.
A arquiteta e urbanista, Nykacia Santos, ressalta que a realidade vai muito além dessas questões que são ‘vendidas’. “Esse olhar turístico, muitas vezes, mascara problemas sérios, como desigualdade social, falta de infraestrutura básica em diversas periferias e uma ocupação urbana que, em muitos casos, foi feita sem planejamento adequado”, contou ao BNews.
“Esse estereótipo também influencia as decisões de urbanização. Muitas vezes, os investimentos são direcionados para áreas que fortalecem essa imagem turística, enquanto bairros mais afastados continuam sem saneamento adequado, transporte eficiente ou espaços públicos de qualidade. É importante valorizar a identidade cultural de Salvador, mas sem deixar de lado os desafios reais que afetam a vida de quem mora na cidade o ano inteiro, não apenas durante o verão ou o Carnaval”, complementou a urbanista.
Iure Barros criticou: “Existe um contraste social que precisa ser conhecido, que é o da violência urbana, o da desigualdade social, da desvalorização dos espaços históricos que não estão no centro, do abandono de alguns patrimônios públicos, do desemprego, dentre outros que se escondem pelas belezas das fotografias. É preciso que sejam apresentadas para que haja uma mobilização social e governamental para tornar a cidade efetivamente inclusiva para seus habitantes, não apenas ao turista ou pessoas de poder”.
Fonte: Bnews