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Chico 80 anos; nas oito décadas de Chico Buarque, oito momentos para entender sua grandeza

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Chico Buarque de Holanda completa 80 anos nesta quarta (19/06) celebrado como gigante da MPB. Ele se alinha num quarteto soberano que tem também Caetano Veloso, Tom Jobim e João Gilberto. Mas, mesmo sem a diversidade de estilos abraçada por Caetano, ou o refinamento musical de Tom, ou a expressão internacional alcançada por João, é sem dúvida o maior esteta da canção.

“Eu faço sambas”, ele costuma dizer, mas a lapidação dos versos de Chico é imbatível. Talvez o grande poeta brasileiro do século 20 foi um dos compositores mais combativos contra a ditadura militar e um sedutor irresistível de plateias. Eis a seguir momentos que podem ao menos esboçar a genialidade de Chico Buarque.

O Chico…

…dos festivais

A popularidade inicial do cantor veio com a participação em duas edições do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record: em 1966, com “A Banda”, e no ano seguinte, cantando “Roda Viva”. As duas músicas são muito diferentes.

Destoando do tom pesado das canções de protesto, “A Banda” é pretensamente alegre e segue o andamento cadenciado das cantigas, sendo fácil para o público fazer coro. Mas os personagens dos versos vão aos poucos se entristecendo no decorrer da letra, uma maneira velada de Chico falar sobre os tempos sombrios que se iniciavam.

Já “Roda Viva” é escancaradamente cinzenta, contrastando uma letra triste com a melodia vigorosa. É uma canção de protesto direta e explícita.

…de “Construção”

Lançado em 1971, “Construção” é o primeiro álbum impecável do cantor, e, para muitos, seu melhor trabalho. As canções foram compostas no período em que Chico ficou exilado na Itália e nos primeiros tempos de retorno ao Brasil.

Tem músicas políticas ao extremo, como “Cordão”, sobre a censura, ao lado de canções singelas como “Valsinha”. Mas é a faixa-título que faz toda a diferença. “Construção”, dura crônica tristonha de um homem comum que morre num acidente de trabalho, é o maior exemplo do rigor formal e estético que Chico poderia alcançar, escrita com versos dodecassílabos e todos terminados com uma palavra proparoxítona.

…de “Calabar

Escrito por Chico em parceria com o cineasta Ruy Guerra, o musical “Calabar: O Elogio das Traição” deveria ter sido encenado em 1974, mas se transformou no principal embate entre o compositor e a censura. A peça usava a figura histórica de um senhor de engenho brasileiro que se aliou aos holandeses contra Portugal, no século 17.

Censurada, teve suas canções lançadas no álbum “Chico Buarque Canta” (1974) e foi publicada em livro em 1994, ainda hoje em catálogo.

…de “Meus Caros Amigos

O álbum lançado em 1976 se tornou o grande sucesso comercial de Chico, com mais de 300 mil unidades vendidas em dois anos. É aquele mais recheado de músicas icônicas em sua obra: “Meu Caro Amigo”, parceria com Francis Hime sobre a vida dos exilados brasileiros na Europa; “O Que Será? (A Flor da Terra)”, dueto com Milton Nascimento em letra que se abre para várias leituras; “Mulheres de Atenas”, que ele e o parceiro, o dramaturgo Augusto Boal, defenderam como um libelo feminista irônico; “Olhos nos Olhos”, seu maior hit passional; e “Vai Trabalhar, Vagabundo”, feita para o filme de mesmo nome, dirigido por Hugo Carvana.

…de “Ópera do Malandro”

Em 1979, o LP duplo com as músicas do musical montado nos palcos do Rio e de São Paulo no ano anterior causou um furor sem precedentes nas rádios brasileiras. Principalmente por causa da música “Geni e o Zepelim”, sobre a prostituta da cidade em que se passa a ação do musical

O público ficou surpreendido com o refrão que tinha os versos “Joga bosta na Geni/ Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir/ Ela dá pra qualquer um”. Esse excesso no baixo calão chamou a atenção popular para um dos discos mais complexos que Chico produziu.

…de “Chico & Caetano

Em 1986, um programa singular teve nove episódios semanais na Globo, exibidos em duas “minitemporadas”, em abril/maio e dezembro daquele ano. A reunião dos dois maiores nomes da canção como apresentadores e curadores de um programa musical gravado ao vivo foi ímpar na TV brasileira.

Além de homenagear ídolos pessoais da dupla, recebendo nomes como Elizeth Cardoso, Tom Jobim, Baden Powell e Elza Soares, a lista de convidados da atração serviu para “chancelar” artistas emergentes na cena da época, como Cazuza, RPM, Renato Russo e o Grupo Fundo de Quintal.

…de “Estorvo”

Depois de peças de teatro e livros infantis, “Estorvo” lançou em 1991 a carreira do romancista Chico Buarque. A jornada existencial de um homem atormentado por acontecimentos estranhos mostrou o rigor formal de sua escrita aliado a humor, cinismo e muita desesperança.

O livro ganhou no ano seguinte o prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, e foi seguido por mais quatro romances e um livro de contos que até agora é seu mais recente trabalho literário, “Anos de Chumbo”, de 2021.

…de “Caravanas”

Aos 73 anos, Chico lançou em 2017 aquele que até agora é seu último álbum de estúdio, “Caravanas”. O disco mostrou um artista veterano, mas nem um pouco acomodado, bem longe de qualquer zona de conforto. A primeira música divulgada, “Tua Cantiga”, foi acusada nas redes de ser machista, para o deleite de Chico.

E a canção “As Caravanas” é uma epopeica narrativa de confronto entre os moradores brancos da zona sul do Rio com os negros do dos morros, que também deu o que falar. Poucos artistas conseguem continuar tão contundentes em sua maturidade.

Fonte: UOL (SPLASH)

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