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A prisão de Bolsonaro: escapismo, fé e o colapso do bolsonarismo

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A notícia da prisão de Jair Bolsonaro marca um momento de virada na já conturbada trajetória do bolsonarismo — e o modo como seus apoiadores reagiram revela a profunda confluência entre política, performatividade religiosa e a narrativa de perseguição que sempre permeou o movimento.

Ao ser detido, Bolsonaro usava tornozeleira eletrônica — símbolo de uma liberdade vigiada, ao alcance das instituições estatais. Mas não demorou para que surgissem relatos, posteriormente confirmados por aliados, de que ele havia rompido o dispositivo. Para muitos de seus seguidores, esse gesto é mais do que uma infração: é um símbolo de resistência. É a recusa em aceitar uma prisão que, segundo eles, não seria penal, mas política — até religiosa.

E é justamente essa última dimensão que assume um peso dramático nas vozes bolsonaristas. A prisão é retratada não como consequência de atos ou responsabilização judicial, mas como uma cruzada contra os valores que eles julgam sagrados. Em seus discursos, a retórica é uníssona: “perseguição religiosa”. Há quem diga que Bolsonaro estaria sendo crucificado por defender a fé, a família, a moral tradicional — um martírio com fins eleitorais, claro, mas também espiritual.

Essa leitura ressoa entre parcelas significativas de sua base: evoca a ideia de um líder escolhido por Deus, atacado por forças profanas que não compreendem ou aceitam seu compromisso religioso. É uma narrativa poderosa, que mobiliza a indignação e legitima, aos olhos dos fiéis, a desobediência simbólica — como o rompimento da tornozeleira.

Contudo, a prisão não se limita a um ato simbólico. Ao contrário, sinaliza um enfraquecimento estrutural do bolsonarismo. A detenção de seu principal líder começou a expor fissuras profundas — fissuras que se agravam com a deserção de figuras que antes pareciam inabaláveis.

Exemplo claro disso: a saída de nomes como André Ramagem, Carla Zambelli e até seu filho Eduardo Bolsonaro. Eles, que por anos foram pilares da base ideológica, agora parecem distantes, cautelosos, talvez considerando que a aposta num Bolsonaro preso se tornou um risco maior do que uma promessa.

Ramagem, outrora braço forte na segurança, se esquiva de associações abertas. Zambelli, antes fervorosa porta-voz, adota um tom mais diplomático. E Eduardo, com sua ambição política constante, evita se comprometer demais com uma narrativa que agora carrega um peso real — o de um líder que está atrás das grades.

Esse esvaziamento gradual sugere que o bolsonarismo, longe de ser uma força monolítica e inquebrável, depende fortemente da figura carismática de Bolsonaro. Sem ela — ou com ela neutralizada —, sua coesão interna se fragiliza. A prisão, portanto, não é apenas um episódio judicial: pode configurar o início do fim de um movimento que, por anos, sobreviveu na interseção entre política confrontacional, evangelismo de direita e uma visão messiânica de poder.

A retórica de “perseguição religiosa” pode energizar parte dos fiéis, mas dificilmente resiste ao teste da pragmática política — especialmente quando os principais expoentes do bolsonarismo começam a fugir ou a recalibrar suas alianças. A recusa a cumprir a tornozeleira é simbólica, mas a deserção desses nomes poderosos é concreta.

No balanço final, a prisão de Bolsonaro expôs algo que muitos críticos já pressentiam: o bolsonarismo viveu, durante anos, de um líder mais do que de um projeto sustentável. Agora, com ele preso e seus aliados recuando, surge uma encruzilhada que pode inaugurar a derrocada de um movimento tão amplo quanto volátil.

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