Moradores e associações da Vila de Caraíva divulgaram nesta segunda-feira (02/11) uma carta de repúdio e manifesto contra as ações do administrador de Caraíva que, de forma inadvertida, fez disparos com arma de fogo para, segundo os moradores, dissipar um conflito ocorrido na localidade.
Os moradores, no manifesto, requerem que a comunidade seja ouvida no processo de escolha do novo administrador; o que, apesar de terem solicitado à administração essa consulta no processo anterior, foi ignorada e a nomeação aconteceu à revelia do povoado, atendendo à vontade exclusiva da prefeita e do Vereador Cacique Renivaldo.
Veja abaixo o documento na íntegra:
CARTA DE REPÚDIO A VIOLÊNCIA NA VILA DE CARAÍVA E ESCLARECIMENTO SOBRE O POSICIONAMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CIVIS SOBRE NOVO ADMINISTRADOR
Caraíva, 02 de novembro de 2020.
A Associação de Nativos de Caraíva (ANAC) em conjunto com o Conselho Comunitário e Ambiental de Caraíva (CCAC) vem por meio deste se posicionar contra quaisquer atos de violência, seja de quem for, que coloque em risco ou situação de desconforto membros que compõem a nossa comunidade. Repudiamos a conduta do administrador regional, Sr. Octavio Vizeu, ocorrida na segunda-feira (26/10) na beira do rio Caraíva, que, ao lidar com um conflito de forma irresponsável e inapropriada, disparou dois tiros em via pública, colocando a segurança da comunidade em risco. Sua conduta, de acordo com a Lei 13.869/19 pode ser configurada como crime de abuso de autoridade (ato ilícito, por meio do qual um agente público ou pessoa investida em função pública atua dolosamente em excesso de poder ou desvio de finalidade e, desse modo, atenta contra os direitos subjetivos de outrem). Também é importante ressaltar que atualmente, o porte de arma é um direito permanente de funcionários de carreira de Estado, tais como integrantes das forças armadas, policiais militares, policiais civis, promotores e juízes.
As demais situações ou profissões que necessitam do porte de arma precisam de autorização legal prévia. Esse incidente aconteceu apenas 12 dias após sua nomeação e deixa claro o motivo pelo qual essa comunidade já havia alertado a prefeitura ao saber de sua indicação ao cargo. No dia 1 de outubro de 2020, as associações encaminharam ofício à Prefeitura de Porto Seguro e ao vereador Cacique Renivaldo (também responsável pela indicação do Administrador da vila) pedindo que considerassem a opinião da comunidade em relação a troca do administrador de serviços públicos deixando claro que a mesma se sentia ameaçada com essa indicação, por conhecer seu histórico de uso da violência como forma de resolver conflitos.
É importante ressaltar que Caraíva, além de ser uma APA (Area de Preservação Ambiental) é um Território de povos e culturas tradicionais e é protegida por diversas leis federais e tratados internacionais que garantem a essas comunidades a prerrogativa de escuta sobre quaisquer ações que se desenrolem nesses territórios e que produzam impacto no modo de vida e na cultura dessas comunidades. Atualmente, a comunidade de Caraíva – bem como a maioria dos extrativistas da Reserva Extrativista da Marinha do Corumbau (RESEX) – é composta por famílias tradicionais integrantes e descendentes do povo Pataxó.
DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: Direitos Internacionais e Nacionais: Constituição Federal de 1988; Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho; Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e; Reserva Extrativista Marinha do Corumbau; …pós-pandemia Organização Pan-Americana da Saúde (OMS) e; Lei n.º 14.021/2020 – medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 nos territórios tradicionais; pág 1 de 5
. Ignorando o direito à consulta e o apelo da comunidade, representada por todas as associações compostas por povos tradicionais, a prefeitura publicou no Diário Oficial de Porto Seguro do dia 20 de outubro de 2020 a nomeação do Sr. Octavio Vizeu ao cargo de administrador regional de serviços públicos da Vila de Caraíva. Imediatamente após assumir o cargo, o novo administrador impôs regras que limitaram o diálogo com a comunidade, deixando claro, desde o início, que não teria abertura para colaborar com as associações que voluntariamente se dispõem a buscar soluções às problemáticas que o poder público, em sua esfera de obrigações, não soluciona. Com essa atitude deixa claro a confusão que faz sobre o que é da esfera pública e privada, e com as atribuições de seu cargo. É preciso ressaltar que o cargo de administrador regional não tem como atribuição a mediação de conflitos, não lhe assegura o porte legal de arma de fogo e muito menos lhe confere poder de polícia.
No dia 27/10/2020, numa manifestação pacifica que fechou a travessia do rio Caraiva durante uma hora, a comunidade denunciou os atos criminosos cometidos pelo Sr. Octavio e denunciou o descaso da prefeita Claudia Oliveira e do vereador Cacique Renivaldo por não escutarem aos pedidos da comunidade e o cumprimento da lei. A comunidade não se sente segura com esse tipo de conduta e não reconhece na pessoa do administrador o perfil adequado de agente público que possa atuar, dentro da legalidade, com impessoalidade, razoabilidade e outros princípios que regem a administração pública. Os constantes ataques aos povos nativos deixam clara a sua indisposição para o diálogo, a transparência e a busca pelo bem comum. A COMUNIDADE RECLAMA SEU DIREITO LEGAL À CONSULTA E REQUER:
– A imediata exoneração do Sr. Octavio Vizeu; — Abertura de inquérito policial para apuração dos disparos ilegais de arma de fogo protagonizado pelo referido senhor;
– Apuração sobre a permissão legal de porte de arma do Sr. Octavio Vizeu e verificação do registro de posse de armas. E em situação de irregularidade, sejam retidas pelos órgãos competentes e as devidas sanções sejam aplicadas;
– Manifestação sobre o ocorrido pelos órgãos públicos e entidades que protegem e fiscalizam o vilarejo e sua comunidade tradicional, RESEX, ICMBIO, Ministério Público Federal;
– A Prefeitura se manifeste formal e publicamente sobre os atos de agente público por ela nomeado, bem como o senhor vereador cacique Renivaldo e que seja promovido um processo de escuta comunitária para indicação de novo administrador. A comunidade juntamente com a ANAC e o CCAC aguardam uma resposta imediata sobre as demandas de urgência que foram levantadas neste documento, pelos órgão responsáveis por zelar pela preservação dos direitos humanos, ambientais e tradicionais.