Nas eleições municipais de 2020, os eleitores brasileiros voltaram atrás nas decisões tomadas há dois anos. Essa é a conclusão de analistas ouvidos pela Agência Senado sobre o retrato da apuração dos votos deste domingo (15). Para eles, prevaleceu a opção pela política tradicional.
Enquanto o pleito de 2018 viu o triunfo de candidatos que se vendiam como “anti-políticos”, o resultado nas cidades este ano marcou um fortalecimento de partidos de centro e de gestores com nomes consolidados. Para o historiador Antônio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB), o mais importante é que esse rearranjo foi alcançado nas urnas.
— O maior significado das eleições de ontem foi que a sociedade, e não os governantes, tomou para si a responsabilidade de pisar no freio e recolocar nos trilhos a política brasileira. O eleitor viu que cometeu um monumental equívoco [em 2018] e buscou outro caminho.
Rafael Silveira, consultor legislativo do Senado, avalia que o eleitorado, ao privilegiar lideranças pragmáticas, enterrou a proposta de renovação política encarnada em candidatos neófitos.
— O projeto da ‘nova política’ foi de pouquíssimo fôlego. A população demonstrou que quer mais segurança, menos ambiente de incerteza. Os outsiders tiveram muito menos espaço e tivemos o reforço de partidos que mostram capacidade de articulação mais significativa.
Segundo os especialistas, o principal reflexo das eleições municipais dentro do Congresso Nacional deverá ser a dinâmica entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e a sua base de apoio. Isso porque grande parte desse grupo não tem uma aliança “orgânica” com o chefe do Executivo, mas sim um “contrato de ocasião”. Partidos como DEM, PSD e PP, que cresceram nos municípios em relação a 2016, poderão usar esse sucesso como poder de barganha para negociar melhores termos na relação com o Planalto.
— Esses partidos vão ter muito mais musculatura para atuar no Congresso e conduzir o governo para onde acharem melhor. O presidente manifestou de forma inequívoca nesses dois anos uma certa dificuldade de entender a lógica da política, e vai se tornar espécie de refém do ‘Centrão’, que tende a ditar a pauta — afirmou Antônio Barbosa.
O consultor Rafael Silveira destaca também que candidatos mais afinados com o presidente, que contaram com o seu apoio explícito durante a corrida eleitoral, em geral tiveram desempenhos ruins. Em face disso, as legendas que se fortaleceram tentarão ocupar esses espaços, de olho nas eleições nacionais de 2022.
— Alguns desses partidos vão ensaiar candidatos, usando sua participação no governo para fortalecer o próprio protagonismo. Já começaram a colher alguns resultados afirmando uma identidade diferenciada do presidente. A população consegue ler dessa maneira — avaliou.
Oposição de centro
Para o professor Antônio Barbosa, o fortalecimento do centro político terá repercussões além das articulações na esfera governista. Ele observa que esse movimento poderá redefinir os termos das próximas disputas eleitorais.
A análise leva em consideração também o recuo na presença dos partidos de esquerda, que perderam espaços em prefeituras e câmaras municipais. Para Barbosa, é possível falar na perspectiva de uma “oposição de centro”.
— Não existe mais a polaridade que nos acompanhou desde o início da redemocratização. O eleitorado acordou para o fato de que a política é um bem e precisa ser tratada dessa forma, nada de extremismos estéreis, grosseria, violência.
Equilíbrio
Senadores que comentaram o resultado das eleições municipais também deram preferência ao retrato de “equilíbrio” nas urnas. Para eles, a população buscou resultados práticos e diálogo.
“O eleitor sinalizou agora que busca equilíbrio, experiência administrativa e rejeita extremos. Isso basicamente se traduz em diálogo, convivência pacífica e soluções negociadas para os sérios problemas que iremos enfrentar”, escreveu nas redes sociais o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Líder da oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ressaltou parceria entre os parlamentares e os candidatos vitoriosos e pediu responsabilidade de todos.
“Nos colocamos à disposição para contribuir nos futuros mandatos dos prefeitos em busca da melhoria de vida do nosso povo. Aos que perderam, não vale o ódio. Aos que venceram, não vale a soberba”, aconselhou.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) também fez uma sinalização para o futuro e deixou uma mensagem de valorização da política.
“Temos que fazer da política um instrumento transformador. Ela é a única ferramenta democrática para que as mudanças sociais sejam realizadas. Ética, trabalho e transparência, essa é nossa missão”, escreveu.
Para Paulo Paim (PT-RS), a população deu o recado de que quer superar um período de antagonismos extremos e colher avanços.
“A democracia se fortaleceu. Estamos vencendo a ideologia do ódio. A população não quer mais saber do discurso extremista ‘nós contra eles’, ‘eles contra nós’. A população quer resultados práticos: saúde, emprego, renda, educação”, observou.
Já Carlos Viana (PSD-MG) também rejeitou o radicalismo e convidou os colegas a ouvirem o pedido feito pelos eleitores.
“Para quem gosta ou não gosta da política é tempo de analisar com equilíbrio o Brasil que surge das urnas. A meu ver, as eleições deram uma recado muito importante. Não queremos radicalismo em nenhuma das pontas. Votamos um país com mais diálogo e planejamento”, publicou.
Fonte: Agência Senado