A Constituição Federal afirma como cláusula pétrea o voto direto, secreto e universal. A mera dúvida sobre a existência de qualquer ilegalidade já seria motivo suficiente para, no mínimo, questionarmos se o voto pela atual urna eletrônica seria realmente o melhor instrumento para se decidir uma eleição. E a situação apenas se agrava ao constatarmos que essa dúvida está amparada por relatórios de especialistas no assunto. Quando a instância jurídica máxima da justiça eleitoral, que deveria zelar pela lisura, ignora este problema, a desconfiança só aumenta.
Há dois princípios básicos que regem uma eleição. Primeiro, o Princípio da Inviolabilidade do Voto, que é o direito fundamental do cidadão de exercer o voto de forma livre sem sofrer constrangimentos de terceiros. Segundo, o Princípio da Publicidade, que exige que todos os passos essenciais da eleição sejam transparentes e estejam sujeitos à comprovação pública.
Este segundo princípio, entretanto, nos parece estar sendo violado pelo atual sistema de votação. A nosso ver, a apuração eletrônica usada nas eleições não respeita este princípio. O único instrumento de prova da apuração é um resumo impresso, conhecido como Boletim de Urna (BU). O presidente da seção eleitoral encerra a votação e emite o BU. O documento, que é impresso em cinco vias, traz a identificação da seção eleitoral, da urna eletrônica, o número de eleitores que votaram naquela seção e o resultado dos votos por candidato e legenda.
A APURAÇÃO DOS VOTOS
A apuração do voto eletrônico é processada apenas dentro das máquinas. Nem os oficiais eleitorais e nem os cidadãos interessados no resultado podem conferir se os votos dados foram contados para o candidato correto ou se os totais atribuídos a cada candidato são válidos. O voto, por exemplo, poder ter sido dado ao candidato “A”, mas ser computado em favor do candidato “B”, e ninguém jamais poderá tomar conhecimento deste fato, pois o registro e cômputo do voto foi realizado exclusivamente dentro de circuitos eletrônicos pré programados. Assim, fica excluída qualquer conferência pública da apuração para que os próprios cidadãos possam compreender e confiar sem precisar de conhecimento técnico especializado.
Os processos públicos precisam ser absolutamente transparentes. Assim estabelece a Constituição da República do Brasil, em seu artigo 37, o qual apresenta os princípios que devem nortear a administração pública, dentre eles a publicidade, que implica na transparência da contagem e apuração dos votos, que tecnicamente, não deixa de ser um ato administrativo. O sigilo do voto está estritamente ligado ao cidadão, ou seja, o voto do eleitor é secreto, não podendo ser revelado em que candidato votou. Contudo, o mesmo não deve acontecer na apuração e contagem dos votos, que, numa democracia, devem ser públicos e transparentes.
O atual sistema de apuração exige fé nas urnas eletrônicas, já que nenhum brasileiro, seja fiscal ou mero eleitor, sabe o que acontece dentro da urna eletrônica quando ele pressiona o botão confirma. Exige fé, ainda, nos técnicos que programam as urnas eletrônicas, esperando que todos eles sejam imunes a corrupção, livres de ameaças e coações, e que por providência divina sempre façam o trabalho totalmente perfeito.
Na verdade, o eleitor apenas supõe que o seu candidato recebeu um voto, mas não existe o mínimo mecanismo para verificar se de fato seu voto foi computado corretamente. É típico das ditaduras exigirem fé pública, as democracias exigem transparência.
Atualmente não há qualquer possibilidade de recontagem de votos ou de se realizar uma conferência de votos na urna, mesmo que haja dúvida ou suspeita em relação a determinada urna ou seção. Pior ainda, é privar o eleitor de uma prova segura de seu voto, ainda que ele não tenha acesso. O voto brasileiro é secreto até mesmo para o próprio eleitor.
Registre-se que ainda que o Brasil fosse um país livre de corrupção, e que em toda a história do voto em urna eletrônica nunca tenha ocorrido nenhum tipo de adulteração dos resultados, ainda assim, apenas a vulnerabilidade e possibilidade de deturpação na apuração dos votos já afronta a democracia. E mais, mesmo que por algum milagre as urnas eletrônicas sempre tenham sido fieis ao voto do cidadão, por questão de direito, a transparência na contagem e apuração dos votos jamais poderá se dar de forma pública no atual sistema de votação brasileiro.
UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO?
O voto impresso é determinado pela Lei 13.165/2015. Como estabelece o artigo 59-A, “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”. E o parágrafo único diz que “o processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”.
Em outras palavras, o eleitor não receberá um papel com o seu voto, até porque isso poderia incentivar a compra de votos. Em vez disso, o comprovante será impresso pela urna eletrônica e poderá ser conferido visualmente. Se os votos estiverem certos, o eleitor confirmará a operação, e o papel será depositado automaticamente.
O processo de contagem de votos continuará sendo feito eletronicamente, mantendo a rapidez na apuração, mas os comprovantes de votação estarão disponíveis para fins de checagem em caso de suspeita de fraude nas eleições, ou sempre que o dever da democracia o exigir. O sistema atual, por utilizar apenas o meio eletrônico para registrar votos, não permite auditoria plena.
A regra já está valendo para a eleição de 2018, mas sua implementação será parcial. Das 600 mil urnas que serão usadas nas próximas eleições, apenas 5% (30 mil) terão o mecanismo de impressão.
O voto impresso sofre grande resistência por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pois aumentaria o tempo de votação e criaria o risco de mau funcionamento das impressoras. Além do mais, a implementação deste sistema em todas seções brasileiras reclamaria dos cofres públicos um alto custo de investimento.