Jovem de 29 anos será a 1ª defensora pública do estado da Bahia

A Defensoria Pública da Bahia informou que foi aprovada a primeira candidata indígena pela reserva de vagas recém criadas no VIII Concurso de Defensores(as) Públicos(as) do Estado. Aléssia Pamela Bertuleza Santos, de 29 anos, teve a segunda maior pontuação do exame de arguição oral e, após convocação, poderá se designar a primeira defensora pública indígena do Estado da Bahia.

A reserva de 2% das vagas para população indígena nos concursos públicos e processos seletivos da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) foi estabelecida pela Lei Complementar Estadual 46/2018, que altera a Lei Orgânica da instituição. Em 2021, a ação afirmativa foi implementada neste que é o primeiro concurso para defensores(as) que acontece depois da publicação da Lei.

“Com esses e vários outros esforços da Defensoria e, principalmente, pelas conquistas da luta dos povos indígenas, chegamos à aprovação da primeira candidata indígena em nosso concurso. Esse é um marco para a história da Bahia”, ressaltou o defensor público geral Rafson Ximenes.

Integrante da comunidade Tuxá, no município de Rodelas, no Norte da Bahia, a futura defensora pública Aléssia Bertuleza também destaca que sua aprovação é resultado de um processo histórico que perpassa as lutas pela educação escolar indígena com respeito às especificidades dos povos e a garantia da reserva de vagas nas universidades. Essa última possibilitou que ela fosse a primeira indígena formada no curso de direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). E agora vai se tornar a primeira defensora pública indígena da Bahia.

“Fico feliz em saber que, em breve, não serei a única”. É assim que projeta o futuro Aléssia Pamela Bertuleza Santos, a primeira indígena aprovada para a carreira de defensora pública no estado da Bahia. Aos 29 anos, ela passou no concurso através das cotas implementadas em abril de 2021.

Aléssia nasceu em Glória, no norte da Bahia, e integra a comunidade Tuxá, localizada no município de Rodelas, onde cresceu. Apesar de ter passado no concurso de defensora pública, essa não é a primeira vez em que se torna a primeira indígena a ocupar um determinado espaço.

“Estudei em escolas públicas e cursei universidade pública. Fui a primeira da família a ter nível superior, sou egressa do sistema público de educação. Na Uefs, fui a primeira cotista indígena a se formar no curso de direito”, afirma.

A vontade de seguir carreira na área do direito, inclusive, surgiu por conta das situações vivenciadas pela comunidade Tuxá. Na década de 90, foi iniciada a construção da barragem de Itaparica na região, comandada pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).

“Cresci ouvindo meus avós e tios falarem sobre um processo contra a empresa. Eu via as coisas se desenrolando e não entendia o que acontecia. Depois que cresci, vi que os adultos também não entendiam e isso prejudicou muito o meu povo. A partir dessa situação, pensei: quero entender como isso funciona para, nos próximos casos, saber do que estamos falando”, recorda.

Depois da faculdade de direito, Aléssia cursou mestrado em Direito Público na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e foi professora de direito internacional e direito tributário no Centro Universitário do Rio São Francisco.

O cargo na Defensora Pública da Bahia também não é aleatório: Aléssia se apaixonou pela instituição quando estagiou no local na época da faculdade. Na defensoria, vê o ambiente onde o direito pode ser aplicado em prol das pessoas que mais precisam.

“Quando era estagiária, sentia que cada pessoa que chegava ali era um dos meus. Era a porta onde eu bateria caso precisasse de assistência jurídica”, afirma.

Agora, enquanto espera a convocação para ocupar o cargo da primeira indígena defensora pública da instituição, Aléssia reflete sobre a importância dos indígenas ocuparem cargos como este.

“Sou fruto da luta de muita gente que me antecedeu, é uma conquista coletiva. Sou a primeira, mas fico feliz em saber que, em breve, não serei a única”.

Apesar da felicidade pela grande conquista, a nova defensora pública conta que teve momentos de reflexão que foram cruciais para entender o processo histórico que culminou com a exclusão das pessoas indígenas desses espaços

“É algo tardio e que chegou na Defensoria Pública, mas, em outras instituições, nem existe”.

Como defensora pública, Aléssia pretende trazer visibilidade e inspirar outras pessoas da comunidade indígena.

Preconceito

Na vida profissional, Aléssia afirma que nunca sofreu preconceito por ser indígena e sempre manteve posicionamento forte e orgulhoso em relação às próprias origens e identidade. Porém, na faculdade, foi obrigada a encarar o questionamento de uma colega, em sala de aula, que dizia ter dificuldade em acreditar e aceitar que ela é “índia”.

“Respondi que não sou índia, sou indígena. Em seguida, perguntei o motivo pelo qual ela tinha essa dificuldade, afinal, eu já tinha contado sobre a minha história e a minha família”, explica.

Na ocasião, a colega respondeu que Aléssia não correspondia à imagem do que era entendido como indígena.

“Eu perguntei quantos indígenas ela conhecia pessoalmente e a resposta foi: ‘só você’. Então questionei: será que o problema não é mais seu do que meu? Eu não deveria ser o padrão, já que sou a única que você conhece?'”

Para a nova defensora pública, ao ocupar espaços como o da Defensoria Pública, os povos indígenas têm a oportunidade de desconstruir os estereótipos enraizados na sociedade.

“Eu não sou nada disso que você acha que devo ser, sou o que eu quiser ser. Tenho o mesmo direito que você”, finaliza.

 

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