“Bolsonaro nunca falou se foi vacinado ou não. Agora sabemos por quê”

Alvo de investigação da Polícia Federal, a suposta inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde traz novamente à tona o cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —um dos mais de mil temas colocados em sigilo na gestão passada.

Bolsonaro chegou a prometer apresentar esse documento, mas o acesso sempre foi negado por sua gestão em questionamentos feitos via Lei de Acesso à Informação.

“Da minha parte, já falei para minha assessoria, quem quiser meu cartão de vacina, pode olhar”, afirmou o então presidente em setembro de 2021. Bolsonaro negou diversas vezes que tomou a vacina.

A Polícia Federal suspeita que dados falsos de vacinação foram inseridos em registros do SUS do ex-presidente para emitir um certificado.

Agentes cumprem, na manhã desta quarta-feira (3/5), mandado de busca e apreensão em endereço de Bolsonaro e de prisão contra seus ex-assessores Mauro Cid e Max Guilherme.

O que diz a PF?

A PF investiga a atuação de uma “associação criminosa constituída para a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde”.

De acordo com a Polícia Federal, os alvos da investigação teriam realizado as inserções falsas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022 para que os beneficiários pudessem emitir certificado de vacinação para viajar aos Estados Unidos.

“Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de COVID-19”, diz a PF

Qual a suspeita?

Os investigadores mapearam duas tentativas de inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. Na última, os dados teriam sido inseridos para constar que o presidente teria sido vacinado e serem utilizados em viagem aos Estados Unidos.

A PF prendeu João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo em Duque de Caxias (RJ), cidade onde as inserções foram feitas.

O deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito de Caxias, Washington Reis, também é alvo da operação. Reis é apoiador de Bolsonaro e teria atuado como intermediador da fraude.

A inserção, segundo apuração da Folha de S.Paulo, ocorreu em 21 de dezembro, antes da viagem de Bolsonaro aos EUA. Os dados indicam que Bolsonaro teria recebido duas doses da vacina Pfizer. O presidente negou fraude e disse que nunca se vacinou.

Quem teve os cartões de vacinação fraudados?

A Folha de S.Paulo apurou que ao menos Bolsonaro, sua filha Laura e Mauro Cid e dois familiares.

O que mudou com as supostas fraudes?

De acordo com as informações divulgadas até agora, com a inserção de dados falsos Bolsonaro passou a ter em seu cadastro de vacinação dois registros de vacina Pfizer.

O que diz Bolsonaro?

O ex-presidente falou na manhã desta quarta (3/5) após ser alvo de busca e apreensão e afirmou que o cartão de vacina nunca foi solicitado nos EUA.

“Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer”, disse o ex-chefe do Executivo.

Quem foi alvo de mandado de prisão?

Foram alvos de mandado de prisão os ex-ajudantes de ordens Mauro Cid e Luis Marcos dos Reis, os seguranças Max Guilherme e Sergio Cordeiro, Ailton Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL-RJ em 2022, e João Carlos de Sousa Brecha, secretário em Duque de Caxias (RJ).

CGU sob Lula determinou divulgação do cartão?

Sim. O governo Bolsonaro argumentava que divulgar os dados poderia ferir a intimidade, vida privada e honra do ex-presidente. A Saúde, sob Lula, também chegou a negar o acesso ao documento, afirmando que a liberação poderia violar a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Em fevereiro, porém, a CGU (Controladoria-Geral da União) decidiu que os dados de vacinações do ex-mandatário poderiam ser divulgados. No mês seguinte, a controladoria determinou que a Saúde entregasse o cartão de vacinação.

O cartão, porém, ainda não foi divulgado. O órgão afirmou que esse documento será liberado justamente após o órgão concluir uma investigação sobre a suposta inserção de dados falsos na carteira de imunização do então mandatário.

Quais as razões da CGU pela divulgação do cartão?

A CGU apontou dois motivos para isso:

Primeiro, a de que o próprio Bolsonaro já havia exibido o papel. Com isso, não haveria porque manter o dado sigiloso, já que seu proprietário a teria tornado pública.

Além disso, o órgão disse que o acesso à informação comprovaria a autenticidade das declarações de Bolsonaro sobre o seu “status vacinal” — ou seja, que ele não tomou a vacina — , e que esse dado teria interesse público.

“O acesso às informações que comprovam a autenticidade das declarações feitas voluntariamente pelo ex-chefe de Estado, no que se refere ao seu status vacinal, possui interesse público geral e preponderante, pois influenciaram a política pública de imunização do Estado brasileiro durante a crise sanitária provocada pela pandemia da COVID-19”, argumentou a CGU.

Em nota, a CGU afirma que há uma IPS (Investigação Preliminar Sumária) aberta, iniciada nos últimos dias do governo anterior, “envolvendo denúncia de adulteração do cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro”.

“As informações levantadas nesse IPS foram compartilhadas com a PF, o que subsidiou a operação”, afirma a controladoria.

A pasta diz ainda que aguarda o fim da apuração e divulgação dos resultados para liberar o cartão de vacinação do ex-presidente.

Dados são inseridos ‘na ponta’. O que diz o governo?

Segundo integrantes do Ministério da Saúde e gestores do SUS consultados pela Folha de S.Paulo, os dados sobre a vacinação contra a Covid são inseridos “na ponta”, ou seja, nos locais de aplicação das vacinas, geridos por secretarias municipais.

O registro da vacinação, em tese, não pode ser alterado pelo Ministério da Saúde.

O governo federal consegue fazer alterações em dados como nome e declaração de óbito dentro dos registros. O ministério chegou a fazer intervenções em cadastros que haviam sido invadidos e alterados com ofensas durante a pandemia.

 

 

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