Baianos resgatados de vinícola no Sul do País relatam os horrores em ambiente análogo à escravidão

Dois baianos que foram vítimas do trabalho análogo à escravidão em  Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, detalharam ao g1 Bahia como foram contratados para o emprego e o que vivenciaram. Ambos fugiram após presenciarem agressões físicas, verbais e ameaças. O caso foi descoberto na quarta-feira (22/02), após a Polícia Rodoviária Federal resgatar mais de 200 trabalhadores do local.

“O alojamento tinha câmeras, era tudo monitorado. Se reclamasse de alguma coisa, espancavam a pessoa”, contou uma das vítimas, que não quis ser identificada.

Dos 207 resgatados, 198 são baianos e nove gaúchos. Os dois homens que conversaram com a equipe de reportagem são amigos e saíram da Bahia juntos, em janeiro de 2023, rumo a uma oportunidade de emprego de dois meses colhendo uvas no Rio Grande do Sul. A dupla soube da vaga a partir do familiar de um deles, que mora no estado há anos.

Após fazer contato com o empresário, responsável pela contratação através de uma terceirizada, os dois homens contaram que os detalhes da viagem e do emprego foram combinados. A proposta inicial incluía alojamento, as três refeições e um salário de cerca de R$ 4 mil pelos dois meses. Além disso, as passagens de ida e volta seriam pagas pela empresa.

“Chegamos lá com um grupo grande de pessoas. Quando vimos a situação todos quiseram ir embora, mas a gente não tinha dinheiro para voltar”, contou.

“Quando souberam que dei baixa na minha carteira [de trabalho], ele [suspeito] passou com a pistola com o cabo para fora para me intimidar. Apontavam a arma para irmos trabalhar, davam choque no pé. Era trabalho forçado”, disse.

Ambos relataram que não tinham acesso à toalha, lençol nem talheres. A comida, que chegava em quentinhas e geralmente estava estragada, era consumida com a mão.

“Até na cadeia a pessoa é tratada melhor do que lá. O que passamos não foi coisa de Deus”, desabafou uma das vítimas.

Por causa da falta de estrutura, os baianos acumularam dívidas com a compra de comidas, talheres e outros itens básicos. Além disso, eles contaram que as jornadas de trabalho passavam de 15h por dia e muitos deles começaram a colheita nas primeiras horas da manhã e voltavam para o alojamento após 23h. No dia seguinte, o ciclo se repetia.

“Acordavam a gente 4h da manhã, chamando a gente de demônio e presidiário. Nem força para trabalhar a gente tinha”, disse um dos homens em entrevista ao g1.

Um dos baianos ficou no local por 10 dias e fugiu com a ajuda da família após adoecer e não ter direito a receber cuidados médicos. Já o segundo ficou no local por 22 dias e precisou dormir na rua antes de conseguir ajuda financeira da família para voltar para a Bahia.

Além das dívidas referentes a alimentação, eles precisaram arcar com a volta para casa sozinhos. Dos R$ 4 mil que seriam pagos pelo trabalho, as vítimas não receberam nem metade: um deles recebeu cerca de R$ 400 pelo trabalho de 10 dias, enquanto o outro não ganhou nada.

O responsável por recrutar e manter os trabalhadores é o empresário baiano Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos, natural da cidade baiana de Valente (BA), cidade a cerca de 253 km de Salvador. Ele foi preso, mas vai responder pelo crime em liberdade após pagar fiança de R$ 40 mil.

Em nota, o advogado Rafael Dorneles da Silva informou que “a empregadora Fênix Serviços de Apoio Administrativo e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial.”

Após a repercussão do caso, os dois baianos têm apenas um desejo: que a justiça seja feita. Eles querem ser ressarcidos pelas dívidas que adquiriram por causa das péssimas condições de trabalho e desejam que os responsáveis por enganar os trabalhadores sejam presos.

“A empresa lucrava muito em cima do nosso trabalho. Queremos alguma indenização para pelo menos pagarmos as dívidas que fizemos”, afirmou um dos trabalhadores.

As vítimas relataram ainda que convivem com o trauma das situações vividas na vinícola e com medo de serem procurados pelos suspeitos. “Tenho pesadelos todas as noites”, desabafou um deles.

Outro lado

Por meio de nota, a Vinícola Aurora, umas das três onde o grupo trabalhava, disse que “não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão e se solidariza com os trabalhadores contratados pela terceirizada Oliveira & Santana”.

A empresa reforça que as vítimas “são funcionários da Oliveira & Santana, empresa que prestava serviços às vinícolas, produtores rurais e frigoríficos da região” e que “a situação degradante em que se encontravam foram identificadas na moradia/alojamento da empresa Oliveira & Santana, e não em vinícolas”.

Ainda na nota, a Aurora disse se comprometer em reforçar a política de contratações e “revisar os procedimentos quanto à terceiros para que casos isolados como este nunca mais voltem a acontecer”.

Fonte; G1

 

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