A luta contra o preconceito e a intolerância marcou a 1ª noite do desfile das Escolas de Samba de SP

Marcado por enredos pela igualdade racial e contra a intolerância religiosa, o primeiro dia de desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo teve arquibancadas lotadas, apesar do clima instável, e apresentações sem problemas de cumprimento do tempo nem penalidades. Rosas de Ouro, Unidos de Vila Maria e Gaviões da Fiel levantaram as arquibancadas do Anhembi e arrancaram muitos aplausos do público.

Acadêmicos do Tatuapé e Tom Maior se destacaram pelas alegorias e fantasias de cores vibrantes. Não menos elogiada foi a Barroca Zona Sul, que resistiu à forte chuva que caiu durante o seu desfile. E como segue a tradição, a Independente Tricolor, segunda colocada do Grupo de Acesso no ano passado, abriu as apresentações.

Com inspiração na mitologia grega, a Independente Tricolor construiu o seu desfile sob o enredo Samba no pé, lança na mão, isso é uma Ilusão, que usa a Guerra de Troia para fazer uma associação com as vitórias e as conquistas dos territórios.

A comissão de frente trouxe Deus Apolo, o casal de mestre-sala e porta-bandeira representaram Páris e Helena, casal cuja união desencadeou a guerra entre gregos e troianos. Afrodite, a deusa do Amor, foi representada nas alas das baianas e o exército de Esparta, no carro alegórico de abre-alas. Outra alegoria foi dedicada exclusivamente ao Cavalo de Troia.

O público, animado, preencheu e lotou as arquibancadas do Anhembi. A escola arrancou aplausos quando a bateria suspendeu a batucada por alguns segundos, permitindo que o samba-enredo fosse cantado à capela pelos foliões que assistiam o desfile do sambódromo. Comissão de frente da Independente Tricolor, primeira escola de samba a desfilar.

Segunda a desfilar, a Acadêmicos do Tatuapé escolheu a cidade de Paraty, do litoral sul fluminense, para ser o tema central do seu enredo. A escola mostrou a chegada dos portugueses, o domínio sobre os indígenas e apresentou os diferentes ciclos econômicos – ouro, cana de açúcar e café – que fizeram parte da história do município, cuja arquitetura colonial que ainda pode ser vista em igrejas e casarões também foi representada no Anhembi.

Com fantasias volumosas e coloridas, a agremiação parecia ter costurado um tapete sobre a avenida. Cores vivas, como verde da flora e azul dos mares, também se destacaram no desfile da escola, que teve a abertura de sua apresentação conduzida pela cantora, compositora, sambista e deputada estadual por São Paulo, Leci Brandão, madrinha da escola.

Acadêmicos do Tatuapé homenageou a cidade de Paraty.

A escola seguinte, a Barroca Zona Sul, levou para a avenida o enredo Guaicurus, tribo indígena da região do Pantanal. Debaixo de uma forte chuva, a agremiação fez uma apresentação que levantou a discussão sobre a proteção dos direitos dos povos originários e a necessidade de preservação da natureza e dos recursos naturais.

A escola também dedicou parte do seu desfile para homenagear o educador e antropólogo Darcy Ribeiro, defensor das causas indígenas e autor de uma vasta produção bibliográfica sobre a cultura brasileira e sobre os povos originários. Apesar da chuva, a agremiação não apresentou problemas na exibição e conseguiu concluir o desfile dentro do tempo máximo de 65 minutos. Barroca Zona Sul desfilou sob forte chuva

Perto de completar 70 anos, a Unidos de Vila Maria escolheu a história da própria escola para servir de enredo no seu desfile, o quarto da noite.

A apresentação da agremiação, fundada em 1954 e com sede no bairro Jardim Japão (localizado no distrito que dá nome à escola de samba), se sustentou sobre quatro pilares: a origem, a essência, a história e os feitos da escola para além das atividades carnavalescas.

A escola verde, azul e branca também levou muitos elementos dourados nas suas alas e carros-alegóricos, como o abre-alas, que trouxe os cinco fundadores da Vila Maria, e também na alegoria que homenageou a paróquia Nossa Senhora da Candelária.

Pelo samba-enredo, a Vila Maria contou ao público que a escola de 69 anos é “bem mais que um caso de amor ” e que vem de um lugar onde o “samba é de primeira”. Com o tempo estável e sem chuva, o público na arquibancada mostrou animação e se levantou para dançar e cantar com a tradicional escola, que foi muito aplaudida no final do desfile. Vila Maria levou enredo sobre a própria história para o Anhembi.

A quinta escola a passar pelo Anhembi foi a Rosas de Ouro, que trouxe um enredo focado nas injustiças raciais, no combate ao racismo e, principalmente, à valorização da África e das influências do continente na biografia do Brasil. O desfile recebeu o nome de “Kindala! Que o amanhã não seja só um ontem com um novo nome”.

A potência do tema também foi explorado nas fantasias e nas alegorias, carregadas de referências à resistência ao racismo e à herança escravocrata e de como o País se construiu com elementos da cultura africana, sobretudo religiosos, culinários e artísticos.

A última alegoria foi dedicada a personalidades negras influentes em diferentes espaços. Pelé, Glória Maria, Mano Brown, Elza Soares, Gilberto Gil, Lewis Hamilton, Emicida, Aleijadinho, Machado de Assis, Silvio de Almeida, entre outros, tiveram seus rostos estampados e foram alguns dos homenageados.

Sete vezes campeã do Grupo Especial, a Rosas de Ouro também mostrou força nas arquibancadas. Após a apresentação, a escola foi bastante aplaudida pelos foliões que assistiam ao espetáculo. Rosas de Ouro levou homenagem à África para o desfile.

Com um desfile carregado de cores vibrantes e alegorias caprichadas em referência a entidades e religiões de matriz africana, a Tom Maior foi a sexta escola a se apresentar. A agremiação desfilou com o enredo “Um culto às mães pretas ancestrais”, e mostrou ao público que, tal como as mães, a África também simboliza o nascimento, a concepção da vida humana, a origem de tudo. Tom Maior cantou homenagem às mães pretas ancestrais

Última a se apresentar no primeiro dia de desfiles do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo, a Gaviões da Fiel entrou na avenida com muito apoio das arquibancadas. Mesmo com o céu claro e uma chuva fraca que voltou a cair no começo da manhã, os foliões ignoraram o cansaço, se levantaram e receberam a escola com muitas bandeiras e fumaça.

Com representantes de diferentes vertentes religiosas, a Gaviões apresentou na comissão de frente aquele que foi o seu enredo escolhido para o desfile: tolerância religiosa.

“Enfim a nossa terra prometida/ Na paz eu vi o povo se amar/ Nessa terra que é de amém e de axé/ Na verdade de Irmã Dulce / E de Chico Xavier”, diz um dos trechos do samba-enredo da escola “Em Nome do Pai, Dos Filhos, Dos Espíritos e Dos Santos… Amém”. A apresentadora Sabrina Sato desfila pela Gaviões da Fiel.

Dirigentes de escolas comemoraram a volta do Carnaval em seu calendário comum, em fevereiro, mesmo após mais de dois anos de dificuldades impostas pela pandemia. Eduardo Santos, um dos presidentes da Acadêmicos do Tatuapé, lembra que esse ano o tempo de preparação para os desfiles foi mais curto que o habitual. Em 2022, as escolas passaram pelo Anhembi em abril. “Ano passado, foi um desfile da resistência, pra mostrar que o Carnaval tem força e que conseguiu sobreviver. A tendência é que no ano que vem, os desfiles sejam ainda mais bonitos”.

Adilson José de Souza, presidente da Unidos de Vila Maria, contou que ficou preocupado em estourar o tempo determinado. A escola terminou faltando 1 minuto para dar 65 minutos. “Por conta da chuva, nossos rádios deixaram de funcionar, o que atrapalhou nossa comunicação. Mas estamos felizes que deu tudo certo”.

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