Vivemos tempos de profunda inversão cultural no Brasil, uma realidade que se reflete em praticamente todos os aspectos da vida nacional. Valores que outrora alicerçavam a educação, a moralidade e a criatividade artística parecem estar em franca decadência, enquanto manifestações culturais de alto valor estético e intelectual dão lugar a um cenário pautado por interesses econômicos e políticos. Entre os setores mais impactados por essa transformação, a música ocupa um lugar de destaque.
Nas décadas passadas, a música brasileira era sinônimo de sofisticação, originalidade e conexão com as mais profundas nuances da alma nacional. Movimentos como a Bossa Nova, a Tropicália e a Música Popular Brasileira (MPB) conquistaram o mundo com suas melodias cativantes e letras enigmáticas, repletas de poesia e crítica social. Ícones como João Gilberto, Chico Buarque, Elis Regina, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Alceu Valença e tantos outros formaram uma constelação de talentos que representava o melhor da produção artística nacional. Era um período em que a música não apenas entretinha, mas também desafiava, emocionava e fazia pensar.
Hoje, no entanto, enfrentamos um panorama bastante diferente. A música que domina as paradas e as grandes plataformas de mídia parece ter perdido, em grande parte, sua capacidade de inspirar. O que era arte transformou-se em produto, muitas vezes vazio de conteúdo e voltado exclusivamente para o lucro. Fenômenos como os “sertanejos universitários” e as “sofrências” têm como base letras simplórias e melodias repetitivas, promovendo uma estética de fácil consumo, mas de pouca profundidade. Essa transformação não é fruto do acaso: ela é impulsionada por uma poderosa máquina econômica, com destaque para o financiamento do agronegócio, que vê na cultura popular uma forma de consolidar sua influência, aventurando, inclusive, com maior audácia e nenhum escrúpulo, o lançamento de um dos seus principais expoentes, o incauto e investigado por atividades ilícitas, Gusttavo Lima, ao cargo majoritário de presidente da república.
Essa nova fase da música brasileira pode ser vista como parte de um fenômeno maior, uma espécie de “revolução cultural às avessas”, onde o foco não é a emancipação e a conscientização do indivíduo, mas a sua alienação. Respaldada por uma mídia conivente e interesses escusos, a arte perde seu papel crítico e transformador, tornando-se, em grande medida, um instrumento de reprodução de um status quo que privilegia o lucro em detrimento da qualidade e da diversidade cultural.
Esse cenário não apenas empobrece a produção artística nacional, mas também reflete uma degradação mais ampla dos valores sociais. A música, enquanto espelho da sociedade, denuncia a superficialidade que permeia outras esferas, como a educação, a política e as relações humanas. Momentos históricos de relevância global, como os avanços tecnológicos, o enfrentamento das mudanças climáticas e a redemocratização do Brasil, parecem ser ofuscados por uma cultura que privilegia o imediato, o descartável e o espetacular.
Assistir a esse capítulo da história brasileira é, de fato, desolador. No entanto, é preciso lembrar que a cultura é um campo de disputa, e a resistência a essa tendência de degradação deve partir de todos aqueles que ainda acreditam no poder transformador da arte. Resgatar os valores que fizeram da música brasileira um patrimônio universal não é apenas um ato de nostalgia, mas também uma forma de reivindicar um futuro mais digno para a cultura e para a nação.